IT, A COISA - STEPHEN KING (1986)

O Clube dos Otários

Em 1986, no mesmo ano em que foi lançado o livro It: A Coisa, chegava aos cinemas um dos filmes que, três décadas depois, se tornaria um dos meus favoritos na infância e adolescência.

Conta Comigo (Stand by Me), dirigido por Rob Reiner, narra a história de um grupo de amigos que decide fazer uma trilha pela floresta para encontrar o corpo de Ray Brower, um adolescente local atropelado por um trem enquanto colhia frutas. Apesar da temática mórbida, o filme me despertou um sentimento de amizade, companheirismo e lealdade que eu só voltaria a sentir anos depois, lendo It: A Coisa.

O Clube dos Otários — Bill, Ben, Beverly, Richie, Stan, Mike e Eddie — é a representação clássica de todos os grupos de amigos que já existiram e ainda vão existir.
Bill, o líder e tomador de decisões; Ben, o realizador das ideias; Beverly, a bússola moral; Richie, o contador de histórias; Stan, o preocupado com as consequências; Mike, o incentivador; e Eddie, a cola que mantém o grupo unido.

Eu também tive o meu Clube dos Otários — acredito que todo mundo teve. Tivemos nosso líder, nossa bússola moral, nosso contador de histórias e a nossa cola. Nunca enfrentamos uma entidade cósmica devoradora de gente, mas, assim como os personagens do livro, navegamos juntos pela infância, fomos ignorados pelos outros, cometemos erros, sofremos as consequências e criamos um senso de lealdade que guardo com muito carinho até hoje.

É claro que esse sentimento não surge de forma gratuita. Stephen King é um mestre em criar personagens pelos quais nós torcemos — pessoas das quais gostamos, com quem nos identificamos e a quem desejamos que as coisas acabem bem. Seja nas trocas sinceras de insultos entre amigos, nas piadas e vozes de Richie ou nos pânicos honestos de Eddie, você se apega a cada uma daquelas crianças. Você torce por elas, sente pena das derrotas, se orgulha das vitórias e, conforme a história se desenrola e espiamos o passado e o futuro desses personagens, começamos a entender a verdade inevitável do afastamento natural — e do esquecimento — que, mais cedo ou mais tarde, todo grupo de amigos enfrenta.

A Apocalíptica Guerra de Pedras

Existem muitos perigos ao longo dessa história — a Coisa é, sem dúvida, o mais mortal deles. Mas há outros personagens tão cruéis quanto.

É fácil perceber que a Coisa — o palhaço Pennywise e todas as formas que assume — influencia a cidade de diversas maneiras. Assim, acompanhamos a espiral de loucura em que os inimigos dos Otários se perdem, sejam eles os valentões da escola ou os adultos que escolhem ignorar o sofrimento das crianças. Derry parece uma cidade que sempre vira o rosto para o outro lado, incapaz de encarar o problema de frente. Os assassinatos — em sua esmagadora maioria envolvendo crianças — nem sempre são cometidos pela Coisa. A verdade é que sua influência contaminou Derry: a cidade se tornou maligna, as pessoas, frustradas e perigosas.

Stephen King retrata muito bem esse sentimento típico de cidade pequena, onde todo mundo sabe o que acontece, mas ninguém quer realmente falar sobre o assunto. Os lugares são próximos, todos se conhecem de alguma forma — como se compartilhassem um grande segredo.

Histórias que se passam em um único lugar sempre me agradam. Esse senso de familiaridade estranha desperta um desconforto difícil de definir — como vestir uma camiseta com o corpo ainda úmido do banho. E é exatamente nesse tipo de história que Stephen King acerta em cheio.

Bill Denbrough Vence o Diabo

A história de It: A Coisa é repleta de momentos em que somos levados a acreditar que nada de realmente terrível vai acontecer — até que essa ilusão é estilhaçada bem diante de nós. Seja nas mortes brutais ou nos terrores psicológicos criados tanto pela Coisa quanto pelas pessoas que vivem em Derry, Stephen King nunca nos deixa confortáveis por muito tempo.

Mas It também é um livro sobre coisas bonitas — sobre pessoas encontrando seu lugar no mundo e sendo aceitas por outras pessoas. Crianças que só podem contar umas com as outras para enfrentar os medos e os problemas que a vida joga em sua direção.

O livro é longo, não há como negar: são 1.102 páginas de duas histórias que acontecem em paralelo, separadas por 27 anos. A primeira narrativa acompanha as crianças tentando entender e enfrentar a Coisa; a segunda mostra as repercussões daquela “semi-vitória” e a conclusão do que havia começado quase três décadas antes.

It: A Coisa é facilmente um dos meus livros favoritos, uma leitura que pode parecer desafiadora pelo número de páginas, mas que se revela envolvente do começo ao fim. Há um motivo pelo qual Stephen King vende tantos livros: suas histórias são ótimas, e sua escrita é simples, fácil e, ao mesmo tempo, brutal.

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